sábado, 27 de agosto de 2011

Um índio, a Taquaritinga e a tabatinga


(Uma curiosa história de Cabuçu)
por Fernanda Bastos da Silva Filadelfo*

Conta a lenda que, desde os primórdios da colonização brasileira, as terras que hoje comportam o bairro de Cabuçu eram povoadas pelo índios Tupinambás. Eles cultivavam mandioca e viviam às margens dos rios Cabuçu e Ipiranga, entre outros. Dizem que eles utilizavam as folhas de uma árvore milenar para colocar seus pés quando saiam de casa para visitar outras tribos pois, naquela época, a tecnologia ainda era precária e eles tinham que conviver com a tabatinga e a lama nas ruas, em função das terras baixas e alagadiças que constituíam os brejais que dominavam a morfologia da paisagem.

Os índios deram nome a vários lugares de Cabuçu, inclusive o próprio nome “Cabuçu” é de origem Tupi e significa “Abelha Grande”. Dos índios também vieram os nomes das ruas Itororó e Taquaretinga. O que muita gente não sabe é que um certo índio tupinambá nomeou a árvore milenar utilizada por várias gerações de “boça pá istica”.

Após um tempo vieram os colonizadores e a região de Cabuçu tornou-se um importante ponto de produção de cana-de-açúcar, com destaque para os engenhos Marapicú, Ipiranga, Cabuçu e Mato Grosso. O escoamento desses produtos era feito por rota fluvial ou por meios dos caminhos como o caminho do mato grosso, a antiga estrada de Queimados e Cabuçu (em frente à fazenda Cabuçu) e a rua Taquaritinga ligava o Aliança a Cabuçu.

Histórias orais contam que do alto dos montes dava para ver a poeira subindo no horizonte da Baixada, conforme passavam os tropeiros com seus muares, chegavam a fazer desenhos no ar. O caminho de Queimados, que era um pouso de parada para tropeiros, passou a ser a última parada antes dos tropeiros subirem a Serra do Mar, rumo a Minas Gerais. Dizem que quando chovia os cavalos não conseguiam transitar em meio à lama, com suas ferraduras, tendo que colocar, os tropeiros, sacos de couro nas patas dos animais para a longa caminhada.

E a cana chegou à sua fase de declínio e o café foi introduzido nas fazendas. Mas o café não vingou nas terras da Baixada e, com isso, em Cabuçu. O que ficou foram as tecnologias introduzidas para o escoamento dele, pois Cabuçu fica no caminho entre dois portos importantes, o do Rio de Janeiro e o de Itaguaí. Construíram-se em meados do séc. XIX, as ferrovias, entre elas a de Santa Cruz e Dom Pedro II (hoje chamada Central do Brasil). O que não se fala muito é que havia um ramal que liga essas duas ferrovias e que esse ramal passava em Cabuçu. (hoje chamada Linha Velha). Suas locomotivas a vapor eram abastecidas pelas caixas d’água instaladas ao longo dos trilhos, como a que fica nas margens da lagoa azul. Interessante é que essa ferrovia cortava brejos e, conforme os médicos sanitaristas, ela, ao represar as águas, provocou a disseminação de doenças provenientes das águas paradas. Com a ferrovia, porém, Cabuçu perdeu a importância política. (Marapicu tinha status político e econômico) para o pouso dos Queimados em função da ferrovia principal passar lá.

Em 1891 Nova Iguaçu se torna cidade e Cabuçu passa a constituir o distrito de Queimados. Entre o final do séc. XIX e até a 2ª Guerra Mundial, Nova Iguaçu exibiu a fama de ser a “cidade perfume” em função de seus vários laranjais para a comercialização com o exterior. Em Cabuçu não foi diferente. Em meio a brejos e laranjais, os moradores conviviam com suas ruas de terra e seus caminhos tortuosos buscando terrenos mais firmes. Para facilitar o escoamento, foi construída na dec. de 40 (1940), a Estrada de Madureira, conhecida por suas muitas curvas para fugir dos brejais de Cabuçu.

Findado o apogeu dos cítricos, “o ouro laranja”, Nova Iguaçu conheceu um novo momento, seu papel industrial, que passou a exercer por estar às margens de uma das principais rodovias do país: a Dutra. Para alocar os “novos iguaçuanos”, os migrantes que vieram trabalhar nas fábricas da cidade do Rio de Janeiro e de Nova Iguaçu, muitas chácaras laranjeiras foram retalhadas em loteamentos, entre eles o Jardim Cabuçu, cuja imobiliária era a Granja Paraíso, na década de 50.

As máquinas vinham abrindo ruas em meio às várzeas e as rodas eram esteiras que se saiam melhor nas ruas com lama.

Entre as ruas principais, lá estavam: a rua Severino Pereira da Silva, Itororó e Itaquaritinga. Até a dec. de 90 nada havia no final da rua Itaquaritinga a não ser mato e lama.

Há 12 anos, nada havia no loteamento 12 de outubro, criado recentemente. Com 6 anos de idade, eu acordei e estava no 12 há 12 anos. Em frente a minha casa: mato, à esquerda e à direita: mato, aos fundos um sítio muito antigo e a rua em frente, continuação da Itaquaritinga: terra firme e com ela, lama. Isso há doze anos.
Hoje, ao acordar em uma manhã chuvosa de verão, sinto o cheiro agradável da terra molhada e, talvez am função de uma possível descendência dos povos tupinambás que, infelizmente, já não existem mais, sinto nostalgia dessas histórias. Pouco se recordam das tradições dos nossos antepassados, porém, hoje, ao sair para o mercado, farmácia ou igreja, pratico um ritual passado de pais para os filhos, cujo tempo não sei ao certo. Um costume já tradicional dos que vivem nos arredores daquela rua Itaquaritinga, nomeada há tanto tempo. Hoje vivo na sociedade pós-moderna do séc. XXI e uso uma bolsa plástica nos pés para proteger-me da lama da rua Itaquaritinga.

Curioso esse fato. Isso prova que a memória dos povos e culturas locais é importante para conhecermos nossa história e entendermos nossas práticas culturais. O bairro Cabuçu e a rua Taquaritinga talvez não sejam conhecidos pelas empresas que criaram as bolsas plásticas para o transporte de mercadorias, mas, sem dúvida, aquele índio que nomeou a rua Taquaritinga e a folha daquela árvore fazem parte da vida das pessoas que moram nessa rua como eu e minhas gerações anteriores, moradores de Cabuçu.

Minha rua faz parte da história de minha cidade, que faz parte da história da humanidade e eu agora entro para história, escrevendo a minha história e a da minha rua. A minha rua tem história.

 
  

*Graduanda em Gestão Ambiental. E-integrante da Escola Agencia de Comunicação da SECTUR/NI dos projetos Jovem Repórter e CulturaNI . Ex-aluna do Pró-Jovem 2008 Turma A Cabuçu/NI
Texto Publicado no site
http://cabucuni.blogspot.com/2008/09/de-cabuu-para-histria.html em setembro de 2008 escolhido na gincana do Projeto Minha Rua tem História.

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