sábado, 20 de março de 2010

OS MOVIMENTOS DA SOCIEDADE COMTEMPORÂNEA

SÉRIE PENSANDO - CIÊNCIA - GEOGRAFIA

*Edson Borges

Bacharel e Licenciado em Geografia pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Professor da Rede Estadual do RJ
Professor e Coordenador do PVNC Cabuçu

3ª DO PLURAL
"Corrida pra vender cigarro - Cigarro pra vender remédio
Remédio pra curar a tosse - Tossir, cuspir, jogar pra fora
Corrida pra vender os carros - Pneu, cerveja e gasolina
cabeça pra usar boné - E professar a fé de quem patrocina
 Eles querem te vender - Eles querem te comprar
Querem te matar (de rir) - Querem te fazer chorar
Quem são eles? Quem eles pensam que são?
 Corrida contra o relógio - Silicone contra a gravidade
Dedo no gatilho, velocidade - Quem mente antes diz a verdade
Satisfação garantida - Obsolescência programada
Eles ganham a corrida - Antes mesmo da largada
 Eles querem te vender - Eles querem te comprar
Querem te matar (a sede) - Eles querem te sedar
 Quem são eles? Quem eles pensam que são?
Vender... comprar... vedar os olhos - Jogar a rede... contra a parede
Querem te deixar com sede - Não querem te deixar pensar
Quem são eles? Quem eles pensam que são?"
Engenheiros do Hawaii (grifo nosso)

            Segundo Santos “tudo neste mundo é regido pela lei do movimento” (1986, p. 26). Vivemos em um mundo em movimento. Para entendermos essa dinâmica é preciso uma reflexão que ultrapasse a visão reducionista e pragmática, uma visão que leve em conta as entrepernas da totalidade, totalidade essa vista como um “realidade fugaz, que está sempre se desfazendo para voltar a se fazer” (op cit p. 94) e “só o estudo da história dos modos de produção e das formações sociais nos permitirá reconhecer o valor real de cada coisa no interior da totalidade (p. 26).

CONTINUE LENDO

             Dito isso, fica evidente uma sociedade só pode ser compreendida em sua totalidade se for levado em conta o sistema que a rege. Num mundo em movimento, em especial na sociedade contemporânea (ocidental), onde “a distância não parece importar. (...) como se o espaço não passasse de um convite contínuo a ser desrespeitado...” (Bauman, 1999, p. 85) devemos refletir em que medida as fronteiras exercem seu papel delimitador de espaços. Melhor dizendo, “devemos nos perguntar em que sentido a territorialidade contemporânea é distinta daquelas que a antecederam”.(Haesbaert, 2002, p. 26).
            Tomando por base a concepção defendida por Haesbaert (2002) vemos que a questão social dita as características do uso dos espaços pelas classes que compõe a sociedade, a questão da desterritorialização. A globalização permite a determinados grupos sociais desfrutar dos benefícios das novas tecnologias em detrimento de outros, cria um “paradigma do turista” e o do “vagabundo”, no qual os “‘turistas’ vivem no ‘tempo’ (...) sem se importar com o espaço, com as fronteiras”,enquanto os “‘vagabundos’ vivem no ‘espaço’ (...) que amarra o tempo...”  (Bauman apud Haesbaert, op cit p. 32). Assim sendo, a movimentação contínua dos fluxos de pessoas, capitais e ideologias produzidas pelo sistema capitalista e sua sociedade mais recentemente moldada, a “sociedade de consumo” (Baumam, 1999) é desigual de acordo com as classes sociais analisadas. A autonomia em relação ao espaço só é alcançada pelos mais abastados, principalmente das sociedades mais desenvolvidas econômico-tecnologicamente. Tomando como exemplo o usufruto do “ciberespaço” podemos dizer que ele não perpassa todos os espaços do globo terrestre, sendo dependente da rede de equipamentos tecnológicos existentes nos lugares, ou seja, necessitando de fixos no espaço geográfico, sejam linhas e cabos ou antenas e satélites, lembrando que esses equipamentos são instalados para determinados públicos - alvo e, por isso, já se configuram segregadores. Assim sendo, “não há um ‘ciberespaço’ unificado, validado para a Terra inteira, permanecendo uma grande parcela da humanidade ‘off-line’.(Haesbaert. Op cit, p. 35)
            Percebemos a essa altura que ao tratarmos do mundo contemporâneo nos deparamos, primeiramente, com o movimento. “Um mundo com pontos de referência sobre rodas” (Bauman, op c it, p. 86) Um movimento constante da sociedade que tem por base o consumo, o consumo que é produzido ideologicamente pelo sistema e que se tornou a base do sistema. Esse consumo (consumismo) só se faz possível graças ao avanço das tecnologias. Nas palavras de Santos, “atualmente, graças ao papel da ciência e da tecnologia, as atividades terciárias converteram-se na fonte essencial de dominação e de acumulação” (1986, p. 12).
Esse consumo é produzido através da criação de necessidades e desejos. Esse papel é exercido pela publicidade, pela mídia em suas mais variadas faces. E os desejos sobre os produtos e serviços da sociedade de consumo devem produzir tentações pulsantes, que não sejam saciadas. A diminuição do tempo de vida útil dos produtos, o “fast”, algo que vem e que vai num piscar de olhos, mas um ir que deixa o caminho para o outro, o seguinte, é o movimento incessante do consumo.
A sociedade é temporária, os desejos e prazeres são temporários, tudo é eterno por um instante. Os empregos são temporários, mitos e celebridades levantam e caem. Como diz a musica dos Titãs: “a melhor banda de todos os tempos da ultima semana”.Ou ainda, no trecho grifado por nós na epígrafe do presente texto, “satisfação garantida, obsolescência programada”.
            O consumo, o usufruto dos fixos e dos fluxos, como dito, é desigual. E isso provoca segregações. O Capitalismo se configura, em essência, concentrador. E a concentração gera do outro lado a falta, a pobreza. A pobreza então alimenta o sistema. O exclusivo só existe por que alguém – ou a maioria – é excluído. Isso é expresso de maneira extraordinária por Jeremy Seabrook nas seguintes palavras: “a pobreza não pode ser curada, pois não é um sintoma da doença do capitalismo (...) é evidencia da sua saúde” (Seabrook apud Bauman, op cit, p. 87). O papel de consumidor só pode ser plenamente executado por quem detém o capital, assim também é o movimento. O chamando “grau de mobilidade” (p. 94) que detém o indivíduo dependerá de sua posição social. Uma cidade global pode ser apenas local para muitos de seus cidadãos. Há “uma diferença entre os da alta e os da baixa” (p. 94).
 E ser consumidor nessa sociedade é querer ser, é assumir o papel de viver para o consumo. É não estar preso a dogmas ou pré-julgamentos da validez ou importância dos objetos do desejo. É querer ser ditado pela moda, é o “ser fashion”. A volatilidade, ou melhor, a flexibilidade deve perpassar todas as instancias da vida. Pois o novo esta sempre presente. E outra característica desse processo é a chamada “liberdade de escolha”, “o disfarce de um livre exercício da vontade (...) a cada visita a um ponto de compra os consumidores” se sentem “no comando”, “são juizes críticos e os que escolhem” (op cit, p. 92).
A durabilidade das mercadorias diminui com o avanço das “utilidades”, ao mesmo tempo em que o novo vai se tornando essencial. O luxo se torna necessidade. Afinal, “ter um carro hoje em dia não é luxo, é necessidade, caso precisemos ir a um hospital?” “ter um microondas não é luxo, e se a gente precisar sair com pressa?” “ter um celular não é luxo”. O caso do celular ilustra de maneira significativa a criação das necessidades. Primeiro a gente precisava se comunicar a qualquer hora e em qualquer lugar, depois a gente precisava de um celular com radio para podermos nos distrair nos caminhos do dia a dia, depois com câmera fotográfica, pois a qualquer momento poderíamos precisar registrar cenas importantes, um amigo que encontramos na rua, um lugar o qual precisaríamos lembrar ou provar que visitamos, até mesmo flagrantes de crimes, depois com filmadora por que fotos apenas não bastam. Os celulares a cada dia trazem inovações sine qua non. Esses exemplos são de fácil percepção se levarmos em conta que e estamos a toda hora em “todos” os lugares.
Outro exemplo que denota a ojeriza à estagnação reside em um objeto que mais a representa: a fotografia. Face mais característica da imobilidade, a eternização dos momentos já sofreu intervenção em sua essência. Cada dia mais as pessoas fazem uso das tecnologias para poderem locomover-se até mesmo em fotografias. O uso da tecnologia da computação gráfica permite a promoção de “montagens” nas quais uma pessoa pareça estar em qualquer lugar do mundo em uma única pose de foto. De uma foto tirada em casa podem ser construídos álbuns de fotos em diversos lugares do globo, com diferentes pessoas ao lado, ou ainda, os videoclipes produzidos que dão vida, movimentos e sons às fotos que antes representavam a imobilidade. Não só a transição cadenciada de uma foto para a outra basta, há efeitos de “zoom” e giro com os quais as pessoas parecem movimentar-se nas fotos.
Sim, estamos a toda hora em lugares diferentes, mas mesmo os mesmos lugares são apreendidos de forma desigual. Uns viajam por querer, outros por necessitar. Uns abandonam espaços, outros são expulsos. Os espaços são mutáveis, lugares são abandonados pela classe dominante e tornam-se refugio para os despossuídos, lugares são “refuncionalizados” e se tornam zonas valorizadas. É o progresso! Mas o movimento dos lugares é segregador. Ás vezes as ações do sistema se ocultam sob a forma de pequenas ações isoladas que promovem movimentos espontâneos ou obrigatórios, segundo Santos,
 “A mais recente estratégia do Capitalismo é evitar aparecer como um conjunto global e coerente de empreendimento. Ações isoladas podem parecer inofensivas, mas, quando consideradas no seu conjunto, deixam claras as conseqüências perniciosas que envolvem”. (2003, p. 192).
 Ainda quanto aos movimentos dos indivíduos podemos distinguir algumas possibilidades diferenciadas. Uns vão e voltam do Rio a São Paulo todos os dias de avião administrar suas empresas e gastam quarenta minutos por viajem. Outros viajam todos os fins de semana para a casa de praia no verão ou o Chalé na Região Serrana, de carro, helicóptero, etc. outros – a maioria - gastam três a cinco horas por dia em transportes coletivos lotados, fazendo baldeações e viajando em pé de segunda a sábado ou ainda com um a folga a cada quinze dias. Muitos vêem o “cristo da janela”às sete horas da manha de seus apartamentos, como diz a letra da musica “um trem pras estrelas” de Gilberto Gil, outros vêem o Cristo da janela do ônibus às mesmas sete horas, pois precisam estar às oito nesses mesmos apartamentos para garantirem um mínimo de subsistência.
 Mais uma vez vemos reforçar o fato de fazermos uso diferenciado dos mesmos espaços em virtude de nossa posição social. Nossa sociedade é extremamente estratificada. No mundo contemporâneo, o mundo do movimento, há a colisão de movimentos contraditórios, a convergência para as extremidades. Um jogo concomitante e cadente de forças centrífugas e centrípetas, essas últimas arrastando a grande maioria para fora, para as margens. A hierarquia urbana é diferenciada. Muitos que vivem em uma metrópole só a usam como centro regional, às vezes local. São os que nascem e morrem nos morros, os que vivem do lugar, passível de ser denominado “deslugar” em sua pior concepção.
E o mundo se torna cada vez mais “sob medida para o turista” (Bauman, op cit, p. 100) para os que podem e devem viver em movimento. Por isso muitos são empurrados a viver de movimento quase involuntário, são“desenraizados” (Bauman, 1999), ou melhor,  “desterritorializados” (Haesbaert, 2003) e precisam buscar a cada dia sua sobrevivência atrás da subsistência. São os caçadores e coletores pós-modernos que vêem a escassez os acompanhar onde quer que vão. Ambos coexistem como a lógica da pobreza-riqueza do sistema é seu fundamento. Ambos são consumidores e tem preocupação meramente estética com o mundo. Podemos dizer que os “de baixo” queriam ser os “de cima” mas a lógica é cada vez mais se reforçar a ciranda que diz “os ricos cada vez ficam mais ricos e os pobres ficam cada mais pobres” é preciso alimentar a “exclusividade. A mobilidade é objeto mister de desejo dos menos favorecidos e é o que mais ostenta a elite. A sociedade globalizada cada vez mais separa as elites da massa. Sua integralidade é pontual ou em focos. Como comunidades fechadas e compostas por indivíduos variados mas que tem em comum o poder econômico.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, _________. Globalização. ____________:_________, 1999 (Capítulo 4: Turistas e Vagabundos, p. 85 – 110).
HAESBAERT, Rogério. Concepções de Território para entender a Desterritorialização. In: Território Territórios / Programa de Pós-graduação em Geografia – PPGEO-UFF / AGB. Niterói, 2002. (p. 17 – 37).
SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. 2ª ed. São Paulo: HUCITEC, 1996.
______________. A Totalidade do Diabo: Como as formas Geográficas Difundem o Capital e Mudam as Estruturas Sociais. In: Economia Espacial. Santos: EDUSP, 2003. (p. 187 – 203).

2 comentários:

Fernanda Bastos disse...

Amor da minha vida! Seu blog está lindo, só pude vê hoje. Parabéns meu príncipe te amo. Sua noiva Nanda. Bjs na boca.

Fernanda Bastos disse...

Edson, meu príncipe esse é um ... tema para debates. O que mais chamou me atenção foi a seguinte frase.
"O exclusivo só existe por que alguém – ou a maioria – é excluído."
Concordo, e essa frase daria muito pano pra manga.
Espero que você nunca deixe de escrever, adoro te ler. Beijos meu amor, na minha boca gostosa. Te amo! Sua noiva Nanda Bastos