Por Edson Borges Vicente
Severino era um menino franzino e empalidecido. Ainda assim
seus olhos, embaçados pelo sol escaldante de verão na Caatinga, brilhavam como
raras gotas de orvalho sob os mandacarus. Naquele dia anterior à primeira ida
para a escola, fizera tudo o quanto podia para quebrar a rotina de sua pacata
vida naquele pacato lugarejo chamado Sertão Fundo. Deixara de usar sua melhor
muda de roupas na missa dominical para apinhar-se na única sala de aulas da
região, recém contemplada com um programa de alfabetização rural. Era seu
primeiro dia de aula em seus nove anos de vida severina.
O
maior sonho daquele garoto era escrever uma carta para seu pai que havia
deixado a família há cinco anos para tentar a vida no Rio de Janeiro. Mesmo em
remotos flashes, sua memória guardava a imagem e a promessa de que veria mudar
os rumos de sua vida quando, no retorno dele com suficiente dinheiro ajuntado,
fartos dias cessariam a fome de toda sua família.
Sevinho, como era chamado pelos seus colegas, sabia que o que a
professora vinda da cidade trazia era muito mais do que rabiscos em papel e
quadro de giz, era a oportunidade para ele abraçar o mundo e ser abraçado.
Sabia também que o fato de seu pai ser analfabeto dificultaria muito conseguir
um bom trabalho e juntar o dinheiro sonhado. Não fossem as leitoras e redatoras
de cartas apostos na Central do Brasil, sequer receberia as correspondências
enviadas desde que ele partira e não fosse o dono da mercearia, único
alfabetizado do lugarejo, nem mesmo as tais cartas seriam lidas.
Mas seu sonho estava se realizando, estava agora em uma escola. Toda a precariedade do lugar não abatia o menino que atribuía grande valor ao aprendizado e, com seu impoluto pensamento, não enxergava as inúmeras imperfeições que ali existiam. Olhos e atenção voltados para aquela jovem que dedicara sua vida a ensinar, Sevinho nem sentiu mais fome, nem sede e, durante as quatro primeiras horas de aula de sua vida, sentiu-se gente. Voltou pra casa com os mesmos olhos embaçados de outrora, mas com o resquício de um brilho diferente do anterior, já não raro como o orvalho, mas cotidiano como a luz implacável das proximidades do equador, intensa e com força contínua.
Mas seu sonho estava se realizando, estava agora em uma escola. Toda a precariedade do lugar não abatia o menino que atribuía grande valor ao aprendizado e, com seu impoluto pensamento, não enxergava as inúmeras imperfeições que ali existiam. Olhos e atenção voltados para aquela jovem que dedicara sua vida a ensinar, Sevinho nem sentiu mais fome, nem sede e, durante as quatro primeiras horas de aula de sua vida, sentiu-se gente. Voltou pra casa com os mesmos olhos embaçados de outrora, mas com o resquício de um brilho diferente do anterior, já não raro como o orvalho, mas cotidiano como a luz implacável das proximidades do equador, intensa e com força contínua.
(Texto concorrente no concurso literário Brasil de A a Z da
Litteris Editora, 2013).
2 comentários:
Emocionante seu conto. Muitas vezes nos preocupamos em passar conteúdo e nos esquecemos de qua para absorver os conteúdos disponíveis no mundo, primeiro é preciso ser alfabetizado, e tbm ter em si esse desejo do "Sevinho", de que o conhecimento pode mudar vidas , e quiça, o mundo. Gostei do texto.
Abs
Muito bom o texto
te deixo uma dica, procura escutar a música "sonhos platinados" de carlinhos veiga.
abçs
Postar um comentário